Crônicas | O Sorriso dos Invisíveis


Sempre que saio de casa, logo que passo o portão, encontro um grande número de pessoas que nunca vi e provavelmente nunca mais verei na vida – São Paulo é um rio de gente. Entre as centenas que cruzo em uma rápida visita à padaria da esquina e as milhares, caso utilize o metrô em horas de ponta, o tipo de contato vária entre sombras borradas que se movimentam na fronteira do meu alcance visual até pequenos gestos cordiais que contam a história efémera de dois destinos que se encontraram e desencontraram em um piscar de olhos – São Paulo é um mar de gente. Avesso à pressa dos que correm mais por costume do que por necessidade, desdobro-me num dos meus passatempos antropológicos favoritos: sorrir para desconhecidos. Sorriso cordial, cúmplice, discreto, largo, ousado…
A troca de olhares faz com que percebamos vida no ser que se move à nossa frente. A troca de sorriso personifica o outro. Há quem desvie o olhar e quem feche o semblante, há quem sorria de volta e quem não acredite ser o destinatário do gesto e existem os meus favoritos: os que se aproximam e perguntam se nos conhecemos. Resposta pronta: “não, mas estamos fazendo a mesma viagem e isso, para mim, já é motivo suficiente para presenteá-lo com um sorriso”. Oito em cada dez soltam uma gargalhada, que é o sorriso no seu formato ostentação, e afastam-se com um ar feliz.
Nas grandes cidades fala-se só dos excluídos como invisíveis, mas São Paulo é tão grande que eu sou imperceptível para ti, que és transparente para ela que é ignorada por mim. Um emaranhado de enredos escondidos dentro de cada cabecinha vista do alto dos prédios passa desapercebido diante dos meus olhos cansados, exceto quando disparo um sorriso. E para que serve essa distração? Para nada ou apenas para afogar a angústia de perceber o meu tamanho – afinal eu sou um e São Paulo é um oceano de gente.

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